ROBERTO FREIRE: DRAMATURGO BRASILEIRO

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Joaquim Roberto Corrêa Freire (São Paulo SP 1927 - idem 2008). Escritor, jornalista, dramaturgo, psicanalista e médico. Inicia-se no teatro por intermédio da atividade didática, ao lecionar a disciplina de psicologia do ator, na Escola de Arte Dramática - EAD, em São Paulo. Participa do Seminário de Dramaturgia do Teatro de Arena, na mesma cidade, em 1958. Preside o Serviço Nacional de Teatro, em 1963, e planeja a criação de uma Campanha de Popularização do Teatro.

Em 1952, forma-se em medicina pela Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro e, após trabalhar como bolsista no Brasil e no exterior, de 1948 a 1954, publica vários trabalhos sobre endocrinologia experimental em revistas especializadas, brasileiras e francesas. A partir de 1955, atua como médico clínico, porém decide deixar a investigação científica e ingressar no curso de formação da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Nesse período realiza no exterior estágios em bioenergética e gestalterapia com os discípulos de Wilhelm Reich e Frederick Perls, respectivamente.

Na capital paulista leciona a disciplina psicologia do ator, na EAD, onde dirige alunos, em 1957, na peça Escurial, de Michel de Ghelderode. Em 1958, Quarto de Empregada, de sua autoria, passa a fazer parte do repertório de montagens da EAD. O espetáculo, dirigido por Milton Baccarelli, tem seus dois únicos papéis interpretados pelas alunas Ruthinéa de Moraes e Assunta Peres. O texto, de estilo realista, retrata o mundo sem perspectiva das empregadas domésticas por meio de dois tipos opostos: a mais velha, desiludida, põe em dúvida os sonhos e desejos da mais moça. É, até hoje, a peça mais encenada do autor.

Em razão do grande sucesso da encenação de Eles Não Usam Black-Tie, o Teatro de Arena decide abrir, sob a coordenação de Augusto Boal, um Seminário de Dramaturgia, em abril de 1958, para discussões estéticas gerais e análise de novos textos produzidos por membros do grupo e convidados. Roberto Freire, que é um dos participantes mais assíduos, tem sua peça Gente Como a Gente analisada no Seminário e depois encenada por Augusto Boal, no Teatro de Arena, em julho de 1959. Em depoimento, Roberto Freire considera: "[...] o Seminário de Dramaturgia foi mais um marco histórico que um processo de elaboração de textos brasileiros. [...] Sem o seminário, teríamos escrito as mesmas coisas, mas sem a mesma tomada de consciência. O que me acrescentou alguma coisa foi ter participado com outras pessoas de uma tomada de posição em favor do teatro brasileiro".1

No início dos anos 1960, suas divergências teóricas e ideológicas se ampliam e Freire acaba se distanciando da psicanálise, ao mesmo tempo em que se aproxima, cada vez mais, do campo artístico, cultural e político. Em 1961, Sem Entrada e Sem Mais Nada, outra peça de sua autoria, também discutida durante o Seminário de Dramaturgia, é encenada pelo Pequeno Teatro de Comédia, com direção de Antunes Filho, no Teatro Maria Della Costa.

No mesmo ano é eleito para o cargo de vice-presidente da primeira diretoria da União Paulista da Classe Teatral. Franco Zampari, fundador e diretor administrativo do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, mergulhado em uma crise financeira, faz um apelo ao governo de São Paulo, que concede verba para sanear as dívidas e dar prosseguimento às atividades teatrais. A entrega de uma vultosa quantia, implica em uma intervenção do governo, e Roberto Freire é indicado pela Comissão Estadual de Teatro para ser o diretor-superintendente do TBC.

Em julho de 1963, assume a direção do Serviço Nacional do Teatro - SNT, cargo que ocupa até abril de 1964. O crítico Yan Michalski analisa a gestão do dramaturgo: "O novo diretor parece ter compreendido que a conquista de novas platéias constitui uma condição sine qua non para a sobrevivência e o crescimento do teatro nacional. Partindo desta constatação, Roberto Freire baseou todo o seu plano de ação numa gigantesca campanha de popularização do teatro, cujo princípio era indubitavelmente acertadíssimo, embora alguns dos meios através dos quais o SNT pretendia executar os seu projetos fossem discutíveis. Infelizmente, mais uma vez a politicagem prevaleceu sobre os legítimos interesses da cultura: o sr. Roberto Freire foi indiretamente forçado a demitir-se, já que a pequena parcela da verba do SNT que foi liberada não lhe permitiria exercer nenhuma ação profícua em prol do teatro nacional".2

Gente Como a Gente ganha uma nova montagem, em 1964, dirigida por Ademar Guerra, com a Sociedade de Cultura Artística de Santo André. Entre 1965 e 1969, Roberto Freire atua como diretor geral do Teatro da Universidade Católica -TUCA, de São Paulo. Sob sua supervisão e coordenação estréia com êxito, em 1965, o primeiro espetáculo do TUCA, Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, dirigido por Silnei Siqueira. No ano seguinte, a montagem participa do Festival Mundial de Teatro Universitário de Nancy, França, onde ganha o primeiro lugar e as mais elogiosas referências por parte da crítica teatral dos jornais Le Monde e Figaro. Além de Morte e Vida Severina, o TUCA apresenta em Nancy a peça O&A, de Roberto Freire, com direção de Silnei Siqueira. Nascida da improvisação à partir de um tema previamente proposto pela organização do Festival, O&A mostra como se processam as tentativas de inovação da sociedade e de que maneira os velhos sistemas conseguem abafar o ímpeto de renovação provocado pela juventude. O espetáculo, com música, sem falas e muito gestual, é assim realizado para facilitar a comunicação com a platéia internacional do evento. Em 1967, estréia em São Paulo e, no ano seguinte, no Rio de Janeiro.

Roberto Freire retorna à psicanálise nos anos 1970 e, influenciado pelos estudos de Wilhelm Reich - considerado por muitos como o dissidente mais radical da psicanálise -, cria uma nova e controvertida técnica de terapia corporal em grupo, a Somaterapia: um método libertário e anarquista de desbloqueio da criatividade que utiliza, entre outros recursos, exercícios teatrais, jogos lúdicos e de sensibilização na busca da saúde, no aumento do prazer e na harmonia emocional.

Quarto de Empregada, é encenada, em 1974, sob a direção de Silnei Siqueira, com Ruthinéa de Morais e Maria Isabel de Lizandra, no Teatro Oficina, em São Paulo. Para a crítica Ilka Marinho Zanotto "não só a dramaturgia, mas também a ficção e mesmo as reportagens vibrantes do escritor são um contínuo quebrar-lanças em prol dos humilhados e ofendidos desta vida. As qualidades que lhe reconhecemos de solidariedade e compreensão humanas não são, infelizmente, por si mesmas, a garantia de um bom texto teatral".3 O crítico Paulo Mendonça, em meados da década de 1960, analisa o teor de sua obra: "Seu teatro não é político, nem doutrinário. Seu engajamento se processa no plano estritamente humano, sem dogmatismo ou preocupação ideológica".4 Escreve ainda as peças Presépio na Vitrina, Viet Love, Quarto de Estudante e Quarto de Hotel e, para crianças e jovens, Trativelindepraglutifitotinquelux.

A trajetória de Roberto Freire, figura ímpar, caracteriza-se pelo esforço em harmonizar seus conhecimentos científicos e artísticos.Trabalha na televisão como roteirista, escreve em jornais e revistas e conquista o Prêmio Esso de Reportagem, em 1967. Publica livros na linha da ideologia e do prazer, dedica-se inclusive aos infanto-juvenis. Faz o roteiro e a direção do longa-metragem Cleo e Daniel, baseado em seu romance homônimo, best-seller da juventude dos anos 1970. Participa como jurado em vários festivais de MPB. Escreve uma autobiografia Eu é Um Outro e durante o período da ditadura, tem forte participação política e cultural.

Neste final de século, a ciência, a tecnologia e o consumo, levaram o homem moderno a uma situação paradoxal: temos condições como nunca de termos uma melhor qualidade de vida, mas parece que perdemos a capacidade de simplesmente curtir a vida. A satisfação pessoal tornou-se acessório no ritmo massacrante do cotidiano, cheio de stress, violência e injustiças. É neste quadro que a obra e a vida de Roberto Freire são um referencial fundamental para se discutir os caminhos do futuro.

Para a juventude, Roberto Freire virou ícone ao publicar o livro Sem Tesão Não Há Solução. Freire traduziu a transformação semântica que os jovens deram a palavra tesão, passando a ter uma conotação mais ampla que somente a sexual, exprimindo tudo o que representa beleza, alegria e prazer. A busca do tesão no cotidiano e a vivência de todos os vexames necessárioas à liberdade pasaram a ser bandeiras defendidas em seus livros, peças, ensaios e muitas outras atividades desenvolvidas durante sua inquietante e apaixonada atuação na cultura nacional.

Roberto Freire vem marcando sua presença na vida intelectual brasileira pela intensa multiplicidade de sua obra. Escritor, dramaturgo, jornalista, médico, ex-psicanalista, trabalhou também em teatro, televisão e cinema. Sua longa e rica trajetória sempre se caracterizou pelo esforço em sintonizar a ideologia do prazer (o tesão) com seu trabalho científico e artístico.

Abandonou a psicanálise no início dos anos 60 para se dedicar ao teatro e ao jornalismo. Dez anos depois, Freire volta a atividade terapêutica com o objetivo de descobrir um método libertário que pudesse servir pessoas com problemas de ordem emocional de qualquer nível econômico e social.

Criou a SOMA, uma terapia anarquista, que se baseia nas idéias revolucionárias de Wilhelm Reich e as técnicas do Jogo de Capoeira Angola, em um processo de desbloqueio da criatividade.

Através de seus romances (Cléo e Daniel - 1965, Coiote - 1988 e Os Cúmplices - 1996, lançado em dois volumes), conquistou legiões de leitores, em especial o público jovem. No campo da psicologia e política, escreveu vários livros de ensaio, como Ame e Dê Vexame, Utopia e Paixão e Tesudos de Todo Mundo, Uni-vos!, entre outros.

Como escritor e terapêuta, Roberto Freire vem realizando inúmeras conferências por todo país, sempre com a presença de um grande números de jovens interessados em debater o conteúdo libertário de sua obra.

Vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo em reportagem para a revista Realidade, Roberto Freire recentemente voltou a produção jornalística como um dos editores da revista Caros Amigos, lançada no início de 1997, distribuída nos principais estados brasileiros e em Portugal. Caros Amigos retomou o jornalismo paixão que marcou a década de 70.

Dentro da programação televisiva, Freire foi redator de sucessos de audiência como Malu Mulher, A Grande Família e Obrigado, Doutor.

Como cineasta, escreveu, co-produziu e dirigiu o longa Cléo e Daniel, com Irene Stefâni, Chico Aragão, Sônia Braga, John Herbert e Zezé Mota.

Durante o período da ditadura, Roberto Freire teve forte participação política e cultural, sobretudo através do teatro, com a peça O&A e Morte e Vida Severina, vencedora do Festival Internacional de Nancy, na França. De 1963 a 1979, foi preso e torturado 13 vezes, o que resultou na perda da visão do olho direito.

Com 72 anos, o escritor, jornalista, dramaturgo, somaterapeuta e, acima de tudo, militante do tesão, continua na ativa: dois novos livros, Liv e Tatziu - uma história de amor incestuoso e O Tesão e o Sonho; grupos de terapia em São Paulo; palestras em todo o Brasil, e atuando na contínua pesquisa e desenvolvimento da SOMA, participando do Coletivo Anarquista Brancaleone.

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