TIRADENTES
Em 1746 nasce no Sítio do Pombal, distrito de São José-del-Rei (hoje Tiradentes), na capitania de Minas Gerais Joaquim José da Silva Xavier. É batizado em 12 de novembro. Em 1755 morre sua mãe e em 1757 com a morte de seu pai, o garoto Joaquim José passa a ser educado por seu padrinho, com quem aprende o ofício de arrancar dentes e fazer curativos. Alto, magro, forte e vesgo o menino virou rapaz, hábil no manejo dos ferrinhos com que arrancava dentes, ficou conhecido como Tiradentes. Mas suas aspirações iam além de Minas e dos trabalhos de dentista. Vira muita fortuna se formar, muito aventureiro enriquecer, muito ouro sair da terra. Portugal, com seu poderio reduzido, dependia das importações da Inglaterra, mas continuava a viver na ostentação. O que pagava quase todas as contas e o luxo Português, era o ouro do Brasil. Tiradentes deixou de ser dentista, resolvendo primeiro transportar mercadorias numa tropa de burros e depois tentar a sorte nas minas de ouro. Não fez fortuna.
Assim, em dezembro de 1775 aos 30 anos, sentou praça na 6ª companhia de Dragões da capitania de Minas Gerais. Por ser branco e descendente de portugueses cristãos, teve o privilégio de ingressar nas armas como oficial. Tornou-se alferes, o que equivaleria hoje ao posto de 2º tenente. Joaquim José, o soldado, destacou-se pela correção e coragem primeiro em Minas, depois no Rio de Janeiro, capital da colônia.
Aos 41 anos de idade, Tiradentes dava sentido à vida entregando-se ao sonho da independência. Não podia ser feliz em meio a exploração de sua gente: queria o que em outras partes do mundo muitos homens também desejavam. No ano de
A primeira reunião dos conspiradores aconteceu em fins de 1788 na casa do tenente-coronel Paula Freire. A eles se unira o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, vigário de São João-del-Rei, homem rico e influente. A conspiração foi acrescentando com a participação do Cônego Luiz Vieira da Silva, do Padre Oliveira Rolim e dos poetas juristas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto. Com o correr do tempo, mais nomes se juntariam aos primeiros. Tiradentes dá inicio a campanha revolucionária aberta. Num tempo em que criticar o soberano era crime gravíssimo. Tiradentes não quer que o povo de sua terra se revolte apenas para lutar contra impostos. Quer a liberdade do Brasil. E assim iniciou-se a Inconfidência, como seria conhecida a rebelião, já que os revoltosos estavam negando fidelidade a coroa portuguesa. Os planos foram traçados: na ocasião da derrama, Tiradentes, depois de prender o governador despertaria Vila Rica aos gritos de Liberdade. A pretexto de restaurar a ordem, Paula Freire e suas tropas ocupariam a cidade e com Vila Rica sob controle, declararia sua adesão à inconfidência. As vilas vizinhas estavam prontas para dar o apoio preciso: O padre Rolim garantia a adesão de Serro Frio; o Cônego de Melo e seu irmão sargento-mor e comandante de cavalaria Luís Vaz de Toledo Piza, respondiam por São João-del-Rei, enquanto Alvarenga Peixoto vinha preparando a sedição na povoação de campanha.
Os inconfidentes sabiam que haveria luta. E se preparavam para ela. A coisa entra em ritmo de urgência: Tiradentes queria que se proclamasse a republica, mas o nome do novo país não ficou decidido, porque a maioria dos conjurados queria antes saber até que ponto o Brasil estava disposto a livrar-se do domínio português. Redigem um projeto de Constituição; a capital deve ser transferida para São João-del-Rei: Vila Rica em troca vai ganhar uma universidade; debateram o fim da escravidão, mas deixaram a questão em suspense, já que alguns não acham o momento oportuno. Tiradentes propõe que a bandeira da nova República seja um triângulo simbolizando a Santíssima Trindade, riscado em vermelho sobre o fundo branco. Alvarenga sugere uma inscrição tomada ao poeto latino Virgílio: Libertas quae sera tamen - Liberdade ainda que tardia. Agora é só esperar que Barbacena decrete a derrama. Os inconfidentes resolveram não mais se reunir: combinam uma senha: Tal dia é o "batizado". O batizado seria a data da derrama. O Coronel Joaquim Silvério dos Reis, fazendeiro e minerador no lugar chamado Igreja Nova da Borda do Campo ( hoje Barbacena ), comandante de tropa
Tiradentes sente que a revolução corre perigo, mas não desconfia de Silvério e até lhe conta que estava sendo seguido que sabia serem soldados da capitania do Rio. Vendo seus planos ameaçados, o Alferes decide voltar a Minas. E lá está o Alferes tramando plano de fuga, quando uma imprudência põe tudo a perder. Tiradentes queria notícias de Minas e para obte-las mandou um amigo, o padre Inácio Nogueira, a procura de Silvério dos Reis. Outra vez, o traidor foi fiel à traição e entregou o padre ao Vice-rei. O sacerdote inconfidente Inácio Nogueira resistiu o quanto pôde, mas as torturas acabaram por vence-lo, levando a indicar a casa onde estava Tiradentes. Uma patrulha saiu em sua busca . E é assim que, a 10 de maio de 1789, prenderam Joaquim José com uma bacamarte na mão, mas já sem poder resistir. Enquanto isso,
A 18 de abril de 1792, os 5 réus padres receberam a sentença: 3 deles, o Cônego Melo o padre Rolim e o padre José Lopes de Oliveira, foram condenados à forca; os outros dois atingidos pelo degredo perpétuo - seriam expulsos do Brasil e enviados para um lugar remoto, em alguma outra colônia, até morrem. No dia seguinte 19, às 2 da madrugada os oficiais da justiça entraram na cadeia com a sentença para os 29 civis militares. Os nomes dos réus com suas culpas desfilaram um a um até que o escrivão passou a ler as penas. Digno e sereno, Tiradentes ouviu a sua sentença.
- Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da capitania de Minas, a que com braço e pregação seja conduzido pelas ruas publicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde em o lugar mais publico dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma; e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregado em postes pelo caminho de Minas no Sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consumam; declaram o réu infame, e a casa em que vivia
Após a leitura da sentença, reunidos réus e confessores, houve muito choro, lamentações e pânico. A um canto, com seu confessor frei Raimundo de Pena Forte, Tiradentes murmura quase numa oração: Se Deus me ouvisse, só eu morreria e não eles. E, como se Deus atendesse ao apelo, no dia seguinte, todas as penas de morte foram comutadas para o degredo, exceto uma. A coroa fazia questão de enforcar ao menos um dos conspiradores, para que servisse de exemplo: Tiradentes fora o escolhido. E na confusão, ninguém prestou atenção a Tiradentes; ninguém lhe agradeceu o papel heróico e digno. Somente Frei Penaforte recolheu-lhe as palavras:
Dez vidas eu daria, se as tivesse, para salvar as deles.
A Rua do Piolho, onde está a cadeia, o largo da Lampadosa e o Campo de São Domingos estão cheios de gente. As janelas Estão apinhadas. As tropas fazem alas da cadeia ao Campo de São Domingos. O objetivo da Coroa era fazer da execução uma festa. Mas na manhã ensolarada, a multidão tem o rosto sombrio.
Era o dia 21 de abril de 1792. O ar estava cheio de vozes e de tambores. As 7 da manhã, o negro Capitânia que vai servir de carrasco, entra no oratório da cadeia, onde está Tiradentes. Traz nos braços comprida e grossa corda e o camisolão branco dos condenados. Tiradentes está sem barba, o cabelo todo raspado, preparado para enfrentar a morte. O carrasco lhe pede perdão pelo que o obrigam a fazer. Tiradentes beija-lhe as mãos. E sem roupa alguma, veste o feio manto dos que vão para forca, dizendo:
- Meu Salvador morreu também assim, nu, por meus pecados.
Recebe no pescoço a corda do carrasco. Não são ainda 9 horas e começa o triste cortejo. Sai à frente uma companhia de soldados. Depois os frades dizendo orações. E, em seguida, Tiradentes, laço no pescoço, a ponta da corda segura pelo carrasco. Os tambores não cobrem a voz de Tiradentes que reza com o povo. Súbito, no meio de uma frase, um baque surdo. O bater dos tambores cresce, o corpo de Tiradentes balança no ar. São 11 horas e 20 minutos. O sol vai alto. Tiradentes está morto. Na morte, venceu Tiradentes. Apenas uma semana depois da execução registrava-se um novo ato de desobediência ao Governo de Portugal: apesar da vigilância dos guarda, desaparece a cabeça de Tiradentes, embora possa Ter sido apenas um ato de piedade cristã, mostra também que o Governo não mais intimidava o povo. Os traidores souberam disso pelo rancor que a população lhes devotava. Os habitantes de Minas Gerais estavam mais preparados para a revolta do que supunham os próprios inconfidentes. Não fossem a indecisão e a pusilanimidade de Paula Freire, o comandante das tropas, e é possível que a história da Independência do Brasil tivesse sido diferente. A cada instante tornava-se mais difícil a Portugal impedir que as idéias liberais se propagassem pelo Brasil. E, em cada novo pensamento rebelde, em cada gesto de desobediência política, em cada desejo de liberdade estava a sombra de um homem enforcado. Tiradentes mostrara o caminho.